09 septiembre 2009

Uma dura lupa sobre os anos 90

Uma das primeiras novelas que li ao chegar na Argentina foi “Las Viudas de los Jueves”, de Cláudia Piñeiro. É daquelas obras que a gente não larga até terminar.

Prêmio Clarín de Novela em 2005, já vendeu mais de 150 mil exemplares e foi publicado no Brasil sob o título “As Viúvas das Quintas-feiras”.

A história chega esta semana às telas dos cinemas daqui e deve ser um grande sucesso. Além de um elenco de primeira, tem a direção de Marcelo Piñeyro, o mesmo de Plata Quemada e Kamchatka.

O livro narra a trajetória de quatro casais de classe média alta que têm suas vidas alteradas quando três cadáveres aparecem boiando na piscina do condomínio, nos arredores de Buenos Aires.

O pano de fundo é a crise econômica de 2001-2002, que culminou com a renúncia do presidente Fernando de la Rúa.

O que me chamou a atenção no livro foi a riqueza de detalhes da vida dos argentinos que vivem nos chamados countries, bairros residenciais fechados, à semelhança dos condomínios brasileiros, mas muito mais elitizados. Bolhas de irrealidade, de onde praticamente não se sai para nada.

Nos countries há escolas, academias, clubes de golfe e pólo, lojas, centros comerciais e até universidades.
Estima-se que 600 mil pessoas vivam hoje em empreendimentos deste tipo, que ocupam duas vezes mais que a superfície da cidade de Buenos Aires e possuem um custo médio de US$ 1000 o metro quadrado.

Dois dos principais jornais da Argentina, Clarín e La Nación, possuem suplementos específicos para countries. Esses lugares são normalmente cercados por vilas de miséria, que abastecem as ilhas de fantasia com mão de obra barata – dados oficiais divulgados este mês, nos mesmos jornais, mostram que um em quatro trabalhadores dos countries não está regularizado.

Os primeiros countries surgiram na década de 70, mas o boom foi na segunda metade dos anos 90 – auge do desastroso, ilusório e privatizante governo de Carlos Menem.

Os ricos queriam qualidade de vida – segurança, morar no meio do verde e passar férias em Miami.

Maristella Svampa, uma das primeiras sociólogas que estudou o tema, explica que os “countristas” defendem as vantagens de viver em contato com gente de estilo de vida similar. “Gente como uno”, como se diz aqui.

Aos poucos, no entanto, começam a aparecer também os problemas resultantes dessa segregação social e o cinema tem sido um veículo importante para mostrar que há algo errado no mundo das piscinas climatizadas.

Entre a nova safra de filmes está “Una semana solos”, de Celina Murga, que explora a diferença de classes a partir da relação entre crianças e adolescentes, que ficam uma semana sozinhas em uma casa em um country, e agora “Las viudas de los jueves”.

Enquanto essas produções não chegam ao Brasil, Brasília pode aproveitar e curtir a mostra “Do Novo ao Novo Cinema Argentino - Birra, Crise e Poesia”, que estréia hoje (8) no Centro Cultural Banco do Brasil.

São 27 filmes de dois diferentes períodos: de 1954 a 1964, do chamado Nuevo Cine (Novo Cine) e do que teria sido a "retomada", de 1997 aos dias de hoje. Destaque para “Pizza, Birra e Faso”, considerado o precursor da retomada cinematográfica na Argentina.

Gisele Teixeira é jornalista. Trabalhou em Porto Alegre, Recife e Brasília. Recentemente, mudou-se de mala, cuia e coração para Buenos Aires, de onde mantém o blog Aquí me quedo (giseleteixeira.wordpress.com), com impressões e descobrimentos sobre a capital portenha.

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